top of page
Buscar
MLucia Montenegro

Qual a diferença entre tributo, imposto e taxa?



A Constituição Federal, de 1988, é um grande marco jurídico e separa o regime ditatorial da abertura da democracia. Criaram-se novos dogmas, novos valores e novos princípios mais adequados àquele novo momento histórico.


Mas qual a importância disso em se tratando de tributos?


Toda! Tudo o que conhecemos hoje está baseado nos novos valores e princípios adotados naquela época. Porém, em 1988, existiam leis que foram editadas na época da ditadura. E a pergunta é: essas leis têm valor? Elas são aplicadas diante do novo regime jurídico criado pela Constituição Federal? Sim, naquilo que não conflita com a Constituição Federal, elas terão valor e continuarão regulamentando as situações nelas previstas. É o chamado Princípio da Recepção.


Dentro deste contexto, o nosso CTN foi recepcionado pela Constituição, já com status de lei complementar, muito embora seja uma lei ordinária. [1] Isso também é importante no momento em que a própria Constituição Federal, no art. 146, III, diz quais as matérias que unicamente podem ser debatidas em lei complementar. E assim, considerando que o CTN já determinava tais matérias, restou recepcionado pela Constituição Federal.


Art. 146. Cabe à lei complementar:

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;


A Constituição Federal não define tributo. Traz apenas as espécies de tributos. Essa definição está no CTN, no artigo 3°:


Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.



No artigo 4º do CTN encontramos importante análise sobre a natureza juridica do tributo:


Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:

I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei;

II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.


Importante referenciarmos que o CTN adota a teoria tripartite ou tricotômica, ou seja, entende por tributo unicamente o imposto, a taxa e a contribuição de melhoria. São estas espécies do gênero “tributo”.


Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.


Já a Constituição Federal afirma no artigo 145 que são tributos os impostos, as taxas e a contribuição de melhoria, mas traz nos artigos 148 e 149, respectivamente, os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais, estas conhecidas como contribuições sociais, CIDE e categorias profissionais. Assim, surgiu a teoria pentapartite, adotada pela maioria dos doutrinadores e pelo STF.


Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I - impostos;

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.


Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:

I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;

II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".


Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.


Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.


Trataremos neste momento, apenas, dos impostos e taxas e algumas implicações práticas, ao final.


Por fim, vale referir que temos dois tipos de tributos: os chamados tributos diretos, quando os contribuintes arcam com a contribuição, como é o caso do Imposto de Renda, por exemplo, ou indiretos, quando os impostos incidem sobre o preço das mercadorias e dos serviços vendidos, exemplificadamente o ICMS.



IMPOSTOS




O conceito de imposto pode ser abstraído da própria definição de tributo, com o acréscimo de uma palavra-chave: contra-prestação do Estado.

Pelo artigo 16 do CTN, imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.


São elementos do imposto 1) fato gerador e 2) situação independente de qualquer atividade estatal específica ao contribuinte.


O fato que gera a obrigação de pagar o imposto é uma situação no âmbito dos fatos que independe de qualquer atividade estatal ao contribuinte. Ou seja, há a obrigatoriedade do pagamento do imposto, mas não há qualquer contra-prestação do Estado, diferentemente do que acontece com a taxa.


Geralmente está associado à riqueza do contribuinte, e, em regra, tem por fato gerador o patrimônio, a renda e o consumo. Tem por princípio orientador a capacidade contributiva, de acordo com o art. 145, §1°, da Constituição Federal.



§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.


Também não há necessariamente uma destinação específica dos recursos. Pagamos sem saber para o que, para quem e porque.


Detalhe importante, ao final, é o contido no § 2º do art. 145:



§ 2º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.





TAXAS


A taxa, por sua vez, de acordo com o art. 77 do CTN:


“As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.”


Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.


A lei refere dois fatos geradores da taxa: o poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos.


Devemos dizer que poder de polícia é um conceito importado do direito administrativo e que, em linhas rápidas, significa a atuação do agente administrativo de acordo com sua capacidade discricionária, ou seja, de coibir, permitir ou limitar determinadas situações em prol da coletividade, por exemplo. Podemos citar o alvará de funcionamento. É a municipalidade que determina se emite ou não um alvará de funcionamento. Esse conceito, o CTN afirma:


Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos



Já a situação relativa ao serviço público, o próprio CTN dá diretrizes:



Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se:

I - utilizados pelo contribuinte:

a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;

b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;

II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas;

III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.


Mas, podemos definir serviço público, de acordo com Hugo de Brito Machado, toda e qualquer atividade prestacional realizada pelo Estado para satisfazer, de modo concreto e direto, necessidades coletivas.


A doutrina não definiu satisfatoriamente conceitos relativos a serviços específicos e divisíveis, havendo indicações e indícios. É certo, porém, que não se tratam de conceitos estanques ou separados, mas que devem ser avaliados em conjunto, casuísticamente, pois não será possível um serviço ser divisível senão for específico.


Apenas, no intuito de facilitar o entendimento, convém repassarmos as lições do administrativista Hely Lopes Meireles, sinteticamente: 1) serviços públicos divisíveis, aquele serviço mensurável para cada destinatário, como ocorre com o telefone, a água e a energia elétrica e geram direito subjetivo àqueles cidadãos que se encontrem na sua área de prestação ou fornecimento, e 2) serviços públicos não divisíveis, que satisfazem indiscriminadamente à população.


Em resumo, pode-se afirmar que é indispensável para a cobrança da taxa a efetiva existência de um serviço colocado à disposição do contribuinte.


Para vale ressaltar a Súmula Vinculante n° 19 do STF, que assim entendeu sobre as taxas:


A TAXA COBRADA EXCLUSIVAMENTE EM RAZÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE COLETA, REMOÇÃO E TRATAMENTO OU DESTINAÇÃO DE LIXO OU RESÍDUOS PROVENIENTES DE IMÓVEIS, NÃO VIOLA O ARTIGO 145, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

A discussão iniciou-se nos idos dos anos 1999, quando uma determinada municipalidade agregou ao serviço de recolhimento do lixo, outros serviço de desobstrução de bueiros e varrição da rua. O STF entendeu que os outros serviços agregados não são divisíveis, porque beneficiam a coletividade, não sendo possível identificar individualmente o beneficiário. Assim, não sendo divisível não pode ser cobrado via taxa, mas sim via imposto.


Estes serviços agregados não são divisíveis, e, portanto, ofendem ao artigo 145, II, da Constituição Federal, e devem ser cobrados via imposto.


Entretanto, se a lei e a municipalidade apenas cobrar pelos serviços de coleta, remoção e destinação de lixo, sem qualquer outro serviço agregado, poderá fazê-lo via taxa, não havendo afronta ao artigo 145, II, da Constituição Federal.

____________________________

[1] a lei complementar, em regra, traz elementos genéricos sobre um determinado tema e depende de votação privilegiada no Congresso, enquanto a lei ordinária, em tese, traz elementos específicos sobre um determinado tema e depende de votação simples no Congresso. Isso significa, em rápidas linhas, que um tema depende de um debate e uma votação mais qualificada do que outra



Comments


bottom of page